Carta de um pai aflito por não saber o
endereço da filha perseguida pela ditadura civil militar
Nos duros tempos da ditadura Maria Lúcia foi para o chapadão da serra da canastra se encontrar com Nizo e Alda. Fazem parte do grupo Edna e Júnia. |
Minha
filhinha,
Deus
a abençoe, guarde e proteja.
Vou
aproveitar essa folga de manhã clara e fresca, pelo menos aqui no escritório,
porque lá fora o sol deve estar abrasador, para começar a lhe escrever. Dalmo
foi segunda-feira a BH se encontrar com o general comandante da autarquia a que
os telefones são subordinados cavar interurbano para nós e levar Ieda e Cláudia
que será vacinada contra a pólio e, de volta terça-feira, trouxe a Quinha que
veio passar aqui o aniversário da Dininha, que transcorre hoje e, como não
tinha mais lugar no carro, Luiza ficou e veio ontem de noite trazendo sua
carta, mandada pela Ione.
Quando
Mamãe morreu e seis meses depois a vó Mariana, sua mãe, Papai trouxe de Bom
Despacho a tia Maria Clara, viúva de um irmão de vó Maria Jacinta, para nos
fazer companhia. Era roceira autêntica, apegada aos velhos costumes da roça
mineira, mas boa e santa, que sabia suportar com paciência as loucas
traquinagens desses nove diabinhos que devíamos ser. Quando havia excesso, ela
vinha atrás da “Priciliana” a enérgica e boa tia, que sabia manter a ordem.
Naquele tempo morava conosco a Arquidâmia, filha da tia Dedê, mãe da Angelina e
já era moça ponderada e séria, carinhosa e boa, que prestava à tia Maria Clara
auxílio inestimável e ajudava agente a suportar os maus pedaços.
Esse
passeio pelo passado veio a propósito de como tia Maria Clara me falava quando
me via a um canto quieto, meditando sobre algum desengano ou planejando alguma
traquinagem. “Ocê hoje está com o bicho carpinteiro”. Ontem, depois de ler sua
carta fiquei com o “bicho carpinteiro”, procurando adivinhar em que rua e
número será sua casa ou, qual será seu serviço, o local onde o executa, quem
será seu patrão e quem serão os seus colegas, quanto você ganha, se dá ou não
para a sua subsistência; onde você ficou e como ficou depois que Zezé deu o
pira; onde era a fábrica em que você trabalhava e o que fazia lá? E o “bicho
carpinteiro” continua a trabalhar.
(...)
Pelo que você diz a mobília de vocês está muito reduzida. Mande-me orçamento do
que precisa para guarnecer a casa e eu vou dar jeito de arranjar dinheiro para
lhe mandar. Está difícil, mas hei de dar um jeito.
Só
parando. Deus a abençoe, guarde e proteja.
Niso
26/04/1973
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