terça-feira, 21 de maio de 2013


Carta de um pai aflito por não saber o endereço da filha perseguida pela ditadura civil militar


Nos duros tempos da ditadura Maria Lúcia foi para
o chapadão da serra da canastra se encontrar com
Nizo e Alda. Fazem parte do grupo Edna e Júnia.

Minha filhinha,
Deus a abençoe, guarde e proteja.
Vou aproveitar essa folga de manhã clara e fresca, pelo menos aqui no escritório, porque lá fora o sol deve estar abrasador, para começar a lhe escrever. Dalmo foi segunda-feira a BH se encontrar com o general comandante da autarquia a que os telefones são subordinados cavar interurbano para nós e levar Ieda e Cláudia que será vacinada contra a pólio e, de volta terça-feira, trouxe a Quinha que veio passar aqui o aniversário da Dininha, que transcorre hoje e, como não tinha mais lugar no carro, Luiza ficou e veio ontem de noite trazendo sua carta, mandada pela Ione.
Quando Mamãe morreu e seis meses depois a vó Mariana, sua mãe, Papai trouxe de Bom Despacho a tia Maria Clara, viúva de um irmão de vó Maria Jacinta, para nos fazer companhia. Era roceira autêntica, apegada aos velhos costumes da roça mineira, mas boa e santa, que sabia suportar com paciência as loucas traquinagens desses nove diabinhos que devíamos ser. Quando havia excesso, ela vinha atrás da “Priciliana” a enérgica e boa tia, que sabia manter a ordem. Naquele tempo morava conosco a Arquidâmia, filha da tia Dedê, mãe da Angelina e já era moça ponderada e séria, carinhosa e boa, que prestava à tia Maria Clara auxílio inestimável e ajudava agente a suportar os maus pedaços.
Esse passeio pelo passado veio a propósito de como tia Maria Clara me falava quando me via a um canto quieto, meditando sobre algum desengano ou planejando alguma traquinagem. “Ocê hoje está com o bicho carpinteiro”. Ontem, depois de ler sua carta fiquei com o “bicho carpinteiro”, procurando adivinhar em que rua e número será sua casa ou, qual será seu serviço, o local onde o executa, quem será seu patrão e quem serão os seus colegas, quanto você ganha, se dá ou não para a sua subsistência; onde você ficou e como ficou depois que Zezé deu o pira; onde era a fábrica em que você trabalhava e o que fazia lá? E o “bicho carpinteiro” continua a trabalhar.
(...) Pelo que você diz a mobília de vocês está muito reduzida. Mande-me orçamento do que precisa para guarnecer a casa e eu vou dar jeito de arranjar dinheiro para lhe mandar. Está difícil, mas hei de dar um jeito.
Só parando. Deus a abençoe, guarde e proteja.

                                                Niso

                                             26/04/1973

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