terça-feira, 21 de maio de 2013


Cantinho da Memória 1: Maria Augusta Torres de Souza – Pepita

                                                                             Maria Lígia Torres de Souza - "Liginha”
A jovem e serena Pepita.


Nota explicativa
Esse perfil foi escrito em 2005 pela Liginha a pedido de Louise, filha de Maria Alice (Didice) que mora na França. Trata-se de um relato carinhoso de quem mais tempo conviveu com Mamãe. A mim, Giovani, o que menos conviveu com ela, coube a tarefa de organizar o texto. Procurei deixar impresso o caráter coloquial produzido por Liginha, testemunha de incontáveis conversas de Mamãe com os filhos ao longo da vida. Ao escrevê-lo Liginha seguiu tão somente um roteiro, o do coração, ao sabor das lembranças. Incluí os subtítulos para facilitar a leitura e identificação de fatos que retratam a dinâmica vivida pela família.  Parei em 1944.  Acho que está de bom tamanho.  Anexo um texto de uma das netas, Ludimira, filha da Tetela, sobre a "Pepita, catequista", esse lado que filhos, sobrinhos, netos e incontáveis bambuienses conheceram de Mamãe.

Emocionado, muitas vezes fui às lágrimas. Dizem que saudade é presença na ausência. Ao organizar esses registros carinhosos que Liginha presenteou as sobrinhas netas de além mar fixei-me na presença delicada dessa Pepita de ouro que encheu e enche de luz as nossas vidas. Saio dessa tarefa sentindo-me um homem melhor. Muito feliz em compartilhar com vocês esses relatos. Com a palavra, Liginha.

1. Sobre o apelido "Pepita": um presente do Vovô Antero e Vovó Alcida
Mamãe foi a quarta filha de Antero Torres e Alcida Augusta Torres. Ela contava que Vovó sofreu muito quando de seu nascimento e que Vovô dizia-lhe: "- Canta, Alcida, para a criança nascer." Na ocasião haviam musicado um poema, "Pepita" , de Casimiro de Abreu escrito em 1858. Vovó que tocava violão e gostava de cantar logo aprendeu a música. E foi essa música que cantou a pedido do Vovô. Era 23 de maio de1902. Mamãe contava que nasceu tão logo a Vovó cantou e que Vovô teria dito:
“- Pronto  Alcida! Sua Pepita nasceu!”

O batizado com o nome de Maria Augusta demorou a acontecer. E o apelido "Pepita" perenizou essa cena carinhosa dos nossos avós. "Uma Pepita de ouro nas mãos do Pai", disse Padre Antenor quando do seu falecimento.

Pepita com as cunhadas Juracy, Alda, Anna e Belinha.

2. Sobre o jeito terno de ser e viver em família
Ela contava que, de manhã cedinho, Vovô Antero os acordava cantando e batendo palmas. Eles respondiam cantando e iam todos tomar banho na bica do monjolo. Só o menor não tomava o banho frio. Aí, sim, vinha o café da manhã. Quando foi colocada a rede de água e esgotos em Bambuí Mamãe fez de tudo para introduzir esse costume aqui em casa. Falava dos irmãos fortes que tinha. Mas não pegou...
Logo em seguida iam para o quintal com o Vovô e a Vovó Alcida. Todos tinham uma planta para cuidar. Mamãe lembrava que chorava para regar as plantas como os irmãos, mas Vovô lhe dava um copo com água e uma colher para molhar um pé de couve.
Certa vez Mamãe não foi para o quintal para o banho frio matutino. Ficou em casa tomando conta do tio Salatiel que estava dormindo. Bateram na porta e ela foi atender. Era um leproso pedindo água. Quando ela chegou com o copo d’água e estendeu-lhe ouviu do mesmo: “- Põe na minha boca, não tenho mãos". Ela o fez e foi abençoada por ele. Saiu correndo e chorando muito. Rodeada pelos irmãos, aos soluços, contou o acontecido. Vovô e Vovó Alcida parabenizaram a filha pelo gesto caridoso e humanitário.
Almoçavam por volta de 10h00 horas, lanchavam às 14h00 e jantavam às 16h00 horas.
À tardinha Vovó Alcida sentava-se junto a porta da casa e ficava conversando com tia Dedê enquanto as crianças brincavam até o anoitecer. tia Dedê era irmã da Vovó e mãe da tia Ana. Maria Augusta era o nome dela.

3. Falecimento da Vovó Alcida
Vovó faleceu no dia 19 de janeiro de 1912, uma quinta feira. Estava grávida do décimo filho. Neste dia, à hora do almoço, Vovó começou a sentir as dores do parto. Vovô já estava na mesa. Mamãe passou diante do quarto e ouviu os gemidos. Nos seus 9 anos, entrou e perguntou a Vovó o que estava acontecendo. Ao que ela respondeu: "- Vai filha, não diga nada para o seu pai. Tem arroz com suã e ele gosta muito." Nesse momento entra a tia Iracema que chamou correndo o Vovô que logo providenciou a vinda do médico. Foi uma gravidez de risco, com pressão arterial alta e muito inchada. Estavam também presentes Vovó Mariana e tia Persiliana, irmã do Vovô. Com muito sofrimento nasceu a criança com a presença do médico, Dr. Benevides. Mas faleceu em seguida. Vovó continuava mal. Em determinado momento o médico saiu do quarto dizendo ao Vovô: "- Ela está com muita vergonha. Vou ficar aqui". De vez em quando entrava para examiná-la. Mais tarde faleceu. Mamãe contava que quando a Vovó Mariana deu a notícia os filhos todos abraçaram o Vovô chorando. Muitos anos mais tarde, já moça, Mamãe ouviu do tio Torres que Vovó morrera de eclampsia.
Vovô sofreu muito juntamente com os filhos. O mais velho tinha 13 anos e o menor, um ano. O velório durou toda a noite e todo o dia seguinte, pois chovia muito e tiveram que esperar a chuva passar. Mamãe e tia Iracema escondiam-se para falar sobre a mãe e chorar. Não queriam ser consoladas. Continuaram morando na casa que chamamos de "casa do Vovô". Tia Persiliana (ou Prisciliana?) ia todos os dias olhar a casa, os sobrinhos e o irmão. Ela também era casada, com muitos filhos. Sugeriu ao Vovô que mudasse para perto dela, para ficar mais fácil, porque quando ele viajava a casa virava um caos. Foram então morar numa casa quase em frente a dela, hoje Rua Getúlio Vargas, uma casa de esquina. Ali ficaram por muito tempo. Mamãe contava que brincava muito com a prima Marieta e que iam rezar o terço com a tia na Igreja. Elas rezavam no mesmo terço, segurando uma de cada lado. Ficavam admiradas porque o terço dos adultos não andava depressa e o delas, pelo contrário, andava bem rápido...
Vovó Alcida morreu em janeiro de 1912 e em maio do mesmo ano, Mamãe foi escolhida para coroar a imagem de Nossa Senhora. Tia Persiliana se encarregou de convencer o Vovô. De início ele se opôs, mas depois resolveu escrever uma poesia para Mamãe coroar. Ela tinha então 10 anos. Certa vez, perguntei a Mamãe porque a Vovó Mariana não ficou com Vovô e os filhos para ajudá-lo. Ela disse que ela era velha, logo adoeceu e faleceu amargurada com a morte da filha.
Mamãe e tia Iracema cuidavam dos irmãos menores, principalmente os três últimos, Moge, Fão e Anterinho. Davam banho, serviam as refeições e ensinavam a rezar. Tio Fão dizia "- Foi a mana que me ensinou a rezar". Mamãe nunca falou de sua primeira comunhão. Mas nunca esqueceu de sua mãe. Relembrava com muita dor e saudade da mãe que perdera tão cedo.  Muitas vezes escutei dela: “- Quando eu morrer vou encontrar com a Mamãe."

4. Os estudos e a tuberculose
Tia Iracema foi para São João D’El Rei, em casa de uma irmã do Vovô (tia Maria) para estudar. Mamãe ficou em Bambuí e ajudava a madrasta, Vovó Maria, em tudo. Mamãe discretamente dizia que vez ou outra haviam conflitos entre as duas. Tia Dedê que morava perto foi quem acompanhou Mamãe e lhe deu orientações sobre as transformações próprias da adolescência. Quando tia Iracema voltou de São João D’El Rei as coisas mudaram, pois se posicionava firmemente ao lado da irmã.
Foi por essa época que Mamãe foi estudar no Colégio Providência em Mariana. Lá ficou um ou dois anos sem voltar para Bambuí, já que a situação financeira do Vovô não era boa. Procurava ajudar as irmãs e com elas aprendeu a ser uma mulher de fibra e de fé em Deus. Foi no colégio também que aprendeu a fazer flores, habilidade que depois usou para ajudar nos gastos de casa.
No Colégio de Mariana foi admitida na "Pia União das Filhas de Maria" (Associação de Leigas Católicas) no dia 12 de Outubro de 1919. Em um santinho encontrei: "Lembrança da consagração de Maria Augusta Torres a Maria Imaculada. Reze por sua amiga Corina." Esta era a diretora da Associação. Quando toco no livro da Mamãe, com a capa gasta pelo uso e as folhas amareladas pelo tempo me emociono. Beijo com carinho e devoção os sinais das mãos de minha querida mãe. Faço nele a novena da Imaculada Conceição que rezei com ela por muitos anos.
Tem uma história que não sei se é verdadeira. Ela teria ido para Luz, a chamado de Dom Manuel Nunes Coelho, para ajudá-lo a elaborar os estatutos das Filhas de Maria ou de uma congregação religiosa, contra a vontade do pai. Vovô mandou um dos irmãos buscá-la. Nunca escutei da Mamãe uma palavra a respeito.
Mariana era uma cidade com temperaturas muito baixas, Era tanto que Mamãe acabou contraindo a tuberculose. Tio Totônio estudava em Belo Horizonte. Vovô então pediu que ele fosse a Mariana buscá-la, levá-la ao médico e depois para Bambui. Constatou-se a doença e ela foi então submetida a repouso e alimentação pra combatê-la. Vovô e os irmãos se desdobravam pra correr atrás de tudo que falassem ser bom para ela. Até água de bananeira tomou. Chorava ao comer, com o vovô ao lado fiscalizando. Dormia de janela aberta. Na porta do quarto dormia o tio Lico para protegê-la. E ninguém podia entrar em contato com ela para evitar a contaminação, além de outras medidas de higiene recomendadas pelos médicos de então.
Nessa época ela tinha um irmão com cerca de dois anos de idade. Era proibido chegar perto da Mamãe. Ele queria fazê-lo e mamãe o espantava balançando os pés, vestidos com meias pretas...Chamava-se Jubal e morreu num acidente no monjolo.
O tratamento da tuberculose durou um ano. Mamãe tinha então 18 anos.

5. A experiência como "Filha da Caridade"
Havia uma tia de Mamãe que era Filha da Caridade (irmãs vicentinas). Mamãe foi para o Rio de Janeiro, no Santuário do Matoso onde fez o postulado e deu início ao noviciado naquela congregação religiosa. Vovô foi levá-la, com pesar, pois ela iria fazer falta em casa na ajuda que dava a Vovó Maria. Era o ano de 1920.
Parece que Vovô via que ela não tinha vocação religiosa. Ela morava no seminário, que se situava no Matoso, na Tijuca à Rua Dr. Santamini, 333. Mamãe dizia Santa Amélia. Ficou lá por seis anos. Quando fui ser religiosa, encontrei lá uma irmã velhinha que dizia lembrar-se de Mamãe de costas olhando para a cruz chorando. Lá ela ficou até 1926, quando as gêmeas - tia Dadá e tia Didi - nasceram. Vovô escreveu contando do nascimento das irmãs e pediu sugestão para os nomes. Mamãe então sugeriu que fosse dado para uma delas o nome da Vovó Alcida. Ele aceitou e colocou o nome na outra de Alcira. E Mamãe ficou morrendo de vontade de conhecer as irmãs recém nascidas. Era apaixonada pelos irmãos. Nasceram no dia 11 de setembro de 1926. Quando foi para o Rio já tinham nascido mais três irmãos: Mozart, Luiza e Wilson.
Nos tempos que Mamãe passou no Rio tio Totônio estudava medicina e fazia estágio na Santa Casa daquela cidade. Vez ou outra Mamãe se encontrava com ele nos corredores, já que com freqüência acompanhava uma irmã ao hospital.
Mamãe deve ter rezado e pensado muito, procurado o confessor e conversado com Irmã Natália, que era a sua tia Laurinda. Em março decidiu sair da congregação. Com certeza deve ter falado da sua decisão com o Vovô, que autorizou tio Totônio buscá-la e trazê-la para Bambuí. Ela ia a Santa Casa e não o encontrava. Deixou então dois bilhetes para ele. Transcrevo o de 26/03/1926:
“Totônio,
Como já te escrevi ante-hontem e acho que a carta não chegou ahi faço-o de novo. Peço-te vir aqui na mesma hora que receberes esta. Pode vir imediatamente pois é com o consentimento da bondosa Directora, sim!
Eu te espero sem falta.
Recado de tua irmã extremosa, Pepita”
Ela então voltou da comunidade e foi o braço direito da Vovó Maria. Vieram mais duas filhas. As irmãs de Mamãe a chamavam de Pitinha. Tinham todos muito carinho por ela.

6. A professora e a vida religiosa.
Mais tarde foi convidada a dar aulas. Foi bem sucedida no exercício do magistério. Foi convidada pelo professor Mário Rebelo que era o diretor do Grupo Escolar José Alzamora. Muito elogiada, todos a queriam como professora dos filhos. Didice guardou um caderno dela com planos de aulas para crianças de primeiro ano. Em dois exemplares do "Minas Gerais" encontramos a nomeação dela.
Ajudou o vigário a fundar na paróquia a Pia União das Filhas de Maria, onde foi diretora. Ao ser introduzida em Bambuí a visita domiciliar de Nossa Senhora das Vitórias era chamada a armar o altarzinho para receber a imagem.
Mamãe ia todos os dias à missa. Tinha uma grande amiga: Otília Nunes. Conversavam sobre tudo e foram amigas até depois que Mamãe se casou. Otília era solteira e cuidava dos sobrinhos que perderam a mãe. Quando se encontrava com Mamãe se emocionava. Ela a chamava de "Tilinha".
Mamãe continuava a lecionar com sucesso. 

7. O encontro com o Papai
Nas idas e voltas a Igreja com Otília elas se encontravam sempre com um jovem moreno que era amigo dos irmãos de Mamãe: Zévis. Certo dia Papai pediu a Otília que dissesse à Mamãe que queria namorar com ela e Mamãe aceitou. Só que a Otília tinha que ficar junto e ir com ela até em casa para o Vovô não criar objeções. Os pais de Zévis - José Vicente de Souza e Germana Maria de Souza - eram compadres do Vovô. Tio Nelson, irmão do Papai, era afilhado do Vovô Antero. Mamãe gostou logo do Papai. Era moço religioso, vicentino, que fazia visita ao Santíssimo Sacramento todas as tardes depois do serviço. Era contador. Vovô permitiu que o pretendente fosse lá para namorar, mas Mamãe ia passar a roupa ou levar as crianças para a cama, rezar com elas e conversar. E o namorado ficava conversando com o Vovô e Vovó Maria. Foi assim o namoro deles. Até que chegou o dia em que o Papai criou coragem e pediu Mamãe em casamento ao Vovô Antero. Ele ficou calado e não disse nada; Papai ficou aguardando o consentimento do Vovô para ficar noivo. Encontrava com Mamãe, acompanhada de Otília, ia à casa dela, mas nada acontecia.
Antes de o Papai pedir Mamãe em casamento, ela chegou perto da Vovó Maria e disse: “- Maria, se eu quiser casar, o Papai deixa?" Ela respondeu: "- Não estou vendo ninguém querendo casar com você!" Mamãe respondeu: "- Mas eu estou..." Vovó então perguntou quem era. "- É o Zévis da Germana", respondeu. Vovó completou dizendo: "- Seu pai dizia que quem servia para casar com a Iracema era o Rômulo ou o Zévis. O Rômulo se casou com sua irmã. Ele deixa. É uma pessoa muito boa. E ele gosta do Zévis.” Foi aí que o Papai falou com o Vovô.
Nesse meio tempo tio Anterinho formou-se em Direito, em Belo Horizonte e voltou para Bambuí. Ficava o dia inteiro com Mamãe, conversando e interrogando-a e percebeu que estava triste. Ele perguntou se ela era feliz, se não tinha namorado, se era aquilo que ela realmente queria. Mamãe contava que eles se sentavam na porta da cozinha e ficavam conversando; então ela abriu o coração e contou do pedido do Papai e que o Vovô não havia dado resposta até aquele dia; ela estava rezando, mas o Vovô não se manifestava. O Tio a abraçou, prometeu falar com o Vovô e já voltou com o consentimento. À noite quando o Papai foi fazer a visita, na despedida, ela o acompanhou até a porta contando da permissão do Pai e que havia sido o tio Anterinho que intercedeu junto ao Vovô.
Papai, mesmo antes do namoro e depois do casamento, era muito amigo dos irmãos dela, principalmente dos filhos da Vovó Alcida. Tem cartas deles, fotos e troca de favores. Há de se ver pela atitude do tio Anterinho em ajudá-los. Papai, tinha que marcar a data para entregar a aliança a Mamãe.
Na semana santa de 1933, tio Anterinho foi a Belo Horizonte. Tinha namorada lá. No sábado de aleluia houve um baile. Nesse dia, 15 de abril de 1933, no quarto do hotel onde se hospedava, deu um tiro no ouvido. Morreu na hora e não deixou nada escrito. Foi sepultado lá mesmo. Ela contava que foi um choque para todos. Vovô ficou arrasado. O Tio estava com 23 anos, formado, com escritório em Belo Horizonte, em Bambuí e em Formiga, junto com o Vovô.
Então o noivado voltou a estaca zero. Ninguém mais tocava no assunto. Mamãe, como professora, foi comprando o enxoval e bordando alguma coisa. Tudo muito simples.
Encontrei uma caderneta da Mamãe, com poucas folhas. Na primeira página há uma foto do Papai com a seguinte anotação: “O Zévis me deu a aliança (meio à força) no dia 1º de setembro de 1933, às 08h00 da noite, na porta da casa de meu Pai. Senti-me feliz deveras naquele momento, um dos mais gratos da minha vida. Graças a Deus.”
Logo foi marcado o casamento para o dia 27 de novembro do mesmo ano e comunicaram ao Vovô. Quando foi se aproximando a data do casamento Vovô pediu a Vovó Maria que providenciasse o que faltava no enxoval. Ela o fez e comprou uma máquina de costura para a Mamãe. De marca Singer, a mesma que é da Tetela.
Chegado o dia, Vovô Antero foi para Formiga, dizendo que tinha uma audiência. Não esteve presente ao casamento. Só voltou no dia seguinte... Eles se casaram durante a missa. Mamãe estava com o uniforme das Filhas de Maria; toda a agremiação estava presente e também os irmãos dela e os dois irmãos do Papai - tio Nelson e tia Maria Augusta - e Dindinha - como chamávamos a Vovó Germana. Ela e outras pessoas chamavam o Papai de Juca. Foi de manhã. Mamãe contava que o tio Totônio insistia para que ela usasse, ao menos naquele dia, pó de arroz. Mas ela não aceitou. Vovó Maria foi ao casamento. Depois foram todos tomar café. Vovó fez uma mesa de bolos e biscoitos. Todos foram embora e eles ficaram lá. Mamãe foi arrumar a casa, cuidar das irmãs menores e o dia passou. À noitinha foram para a casa da Dindinha. Mamãe contava que no outro dia cedo estavam todas lá, - Dadá, Didi e Inês - com uma flor na mão para ela. Foram ver a Mamãe.
Depois de alguns meses não deu certo o relacionamento da Mamãe com a sogra. Ela perdera o esposo, o Vovô Vicente, assassinado, e ficou com os três filhos para criar. Ele era delegado. Não sei como viveram financeiramente. Ela tinha ciúmes do filho com a nora. Foram morar em frente à casa do Vovô.
Encontrei esse escrito da Mamãe: "No dia 1º de abril de 1934 recebi a primeira visita de Nossa Senhora das Vitórias que saiu de nossa casa no dia 30 do mesmo mês. Foi na casa do compadre Antonino, em frente à casa do meu Pai. Eu tinha então 5 meses de  casada. Ó Maria, - concebida sem pecado - minha boa mãe, sê em tudo e sempre minha mãe!"
Numa caderneta encontrei também outras anotações:
"Zévis,
Que o glorioso Patriarca São José, seja o teu protetor em todos os dias da tua vida tão amada e tão preciosa para mim. São os ardentes votos que a Ele dirige o coração da tua, só tua Pepita." (1933)
“Zévis,
Esta caderneta, insignificante lembrança de um coraçãozinho tão escravo, servirá para serem assentadas as notas íntimas, doces ou amargas, da vida comum que agora iniciamos. Que o S.S. Corações de Jesus e Maria nos abençoe de tal maneira que mesmo nas amarguras encontremos a suavidade precisa para levarmos a nossa vida segundo os desejos do céu.”
Depois de casado, Papai foi convidado para trabalhar na prefeitura.  Não sei se foi por Tio Tonico ou Tio Simphrônio que foram prefeitos em Bambuí. Não sei se houve concurso ou não. Sei que exercia o cargo de chefe do serviço da fazenda do município de Bambuí, ou seja, tesoureiro. A carteira de trabalho dele está com o Fernando.

8. O nascimento das primeiras filhas
Mamãe continuou como professora. Saíram da casa em frente à do Vovô e foram para uma casa de esquina na Praça Antônio Carlos, próxima ao local onde muitos anos depois foi construído o Santuário São Sebastião. Iam todos os dias a casa do Vovô.
Em janeiro de 1934 Mamãe ficou grávida pela primeira vez. Em 05 de setembro de 1934 nasceu a Maria Célia, na casa do Vovô. Não sei o motivo. Tio Totônio e Vovó Maria ajudaram no parto. Depois em 15 de agosto de 1936 nasceu Maria Alice. "Foi o dia da inauguração da luz elétrica na cidade, com um foguetório", dizia Mamãe.

9. A morte do Vovô Antero.
Nesse meio tempo Vovô Antero teve uma dor no peito que foi diagnosticada como "angina do peito".  Ficou de repouso por um tempo. Mamãe e Papai iam visitá-lo toda tarde. Mamãe contava que ele sentava a Didice na mesa para brincar com ela e a chamava de "boticaba do vovô".
Uma tarde tio Totônio chegou chamando-o para sair com ele e tia Juracy para visitar os pais dela. Papai ajudou a calçar a botina e o Tio o paletó. Vovô disse “- Maria, me dê um lenço com perfume que estou com cheiro de cadáver". Vovó se zangou e eles saíram. Mamãe e Papai ficaram mais um pouco e foram embora.  Nessa ocasião Mamãe já estava grávida de novo. Pelas 22h00min, o Tio foi chamado depressa porque o Vovô estava mal. Antes que ele fizesse alguma coisa, Vovô foi caindo, tio Totônio, soltou a seringa, abraçou-o e ele faleceu. Era o dia 10 de novembro de 1937.
O doce sorriso da Pepita.

10. Nascimento dos outros filhos
Em 14 de março de 1938 eu nasci, às 19h00, na casa do Vovô. Vovó Maria pediu a Mamãe que fosse pra casa dela porque ficaria mais fácil para ela atender Mamãe e olhar a casa e os filhos. Tia Jacinta, a caçula estava com 5 anos. Como as outras filhas, o bebê recebeu o nome de "Maria", Maria Lígia.
Em 29 de agosto de 1939, dia que estourou a Segunda Guerra Mundial, nasceu o Fernando.
Em 10 de maio de 1941 nasceu o Hermano, em 30 de novembro de 1942 o José Nelson e finalmente em 23 de junho de 1944 nasceu o caçula, Giovani, o "cachorrinho da Mamãe", como ela carinhosamente o chamava. Eles quatro nasceram na "casa de baixo", na antiga Rua do Comércio, hoje Rua dos Expedicionários. Moramos nesse endereço mais ou menos 10 anos.
(...) Falo que a meta da vida dela era buscar o reino de Deus. E quantas vezes nos dizia, quando por algum motivo ficávamos reclamando: "Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça e tudo o mais vos será acrescentado.” 

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