domingo, 3 de março de 2013

Editorial



 Galeria dos filhos de Antero e  Alcida
O Torresmo, que já falou da tia Inês, percorre agora, a partir do nº 4 a galeria dos outros filhos do vovô Antero.

Eva nos passa de uma forma leve a história e a personalidade de seu pai, o tio Lico. E mesmo relatando as duras lutas que enfrentou, nos transmite um sentimento bom, alegre e acolhedor.

Edna também quis deixar um depoimento de suas lembranças da infância, envolvendo os tios Lico e Anna, e a Catinga.

O Torresmo torce para que espontaneamente outras lembranças deste ou daquele tio, tia, prima, primo lhe sejam enviadas. Podem estar certos de que se vierem, serão publicadas.

Lucy traça um perfil emocionante de seu pai, o tio Totônio. Esse tio que sempre cuidou com desvelo da saúde da família; que fazia curativos, aplicava injeções e coisas tais em sobrinhos amedrontados, distraindo-os com suas cantigas e versos: - “eu de cá você de lá, ribeirão passa no meio, eu de cá dou um suspiro, você de lá suspiro e meio.” Totônio foi uma pessoa incansável, que batalhou pela saúde e pela educação da população de sua terra. Mas e a tia Juraci? Sua companheira inseparável, que participou com distinção de todas as suas ações e sentimentos. O Torresmo manifesta seu carinho, saudade e respeito à nossa tia Jura.

Maria Lúcia ilumina a Iracema e o Rômulo, que apesar de suas preferências – assim diz o Dalminho – se consideravam mãe rigorosa e pai vigilante de todos os sobrinhos.
Na coluna Perfil, o Torresmo nº 4 fala de Ilo Torres, o decano da família, proporcionando aos leitores uma interface com a coluna ocupada nesse número pelo tio Lico. No e-mail em que seu filho Paulo esclarece à redação do Torresmo, o lugar ocupado pelo Ilo na seqüência de nascimentos dos filhos de Lico, indica, também, quem são as pessoas nas fotos, e acrescenta mais informações da imensa prole de seu avô.

No Espaço Cultural, o Torresmo publica mais um conto da Leda, desta vez sobre tia Iracema, onde relata um episódio engraçado da adolescência dessa decidida guerreira e traça-lhe com precisão esse aspecto de seu caráter.

Dos arquivos do tio Totônio, cuidadosamente preservados pela Lucy, o Torresmo publica, na coluna Curiosidades, o pedido de casamento do primeiro matrimônio de Antero Torres. É também dos arquivos da família as muitas fotos publicadas, algumas verdadeiras relíquias.

Um estímulo importante para a família se preparar para o 2º Encontro é saber onde se hospedar. Além das residências dos parentes daqui e que acolherão com muita satisfação os visitantes, Bambuí oferece hospedagem em hotéis e pousadas. Nessa edição o Torresmo publica o levantamento dos parentes que aqui residem e dos hotéis e pousadas da cidade.

Cantinho da memória 1: Perfil do primogênito de Antero Torres - EURYALO TORRES




Eva Torres

Primeiro filho de Antero Torres e Alcida Augusta Torres. Nasceu em Bambuí - MG, em 13 de janeiro de 1898. Lico, Lico Antero, Cumpade Lico ou Cumpalico, segundo a mineirada com que convivia; Vovô Lico, carinhosamente lembrado pelos netos que nem o conheceram.
Perdeu a mãe aos 13 anos. Casou-se, aos 25 anos, com Anna Teles Cardoso, sua prima pelo lado materno.

Já havia decidido ir para a roça numa tentativa de ajudar o pai a mandar os outros filhos para estudarem. Primeiro a Catinga, onde se iniciou como roceiro. Foi lá que se tornou também boiadeiro. Os “camaradas” viraram amigos e compadres. Foi lá também que, numa madrugada, recebeu a noticia da morte do pai, Antero.

A subsistência da família vinha da plantação de roças, frutas, hortaliças, criação de pequenos animais.

Durante muitos anos criava, comprava e vendia gado de corte. Tocava os bois a cavalo, distâncias enormes, até outros estados, comendo poeira ou tomando chuva. Mas se divertia muito também. ”Pousava” nas fazendas, onde o capataz, que ia à frente, fazia a comida para todos. Passava até meses fora de casa.

Quando chegava, ficávamos ao redor dele para ouvir-lhe as histórias. Era uma delícia ouvi-lo contar as peripécias das longas viagens. Aliás, os filhos não se cansavam, mesmo que os “casos” se repetissem.

Era um roceiro letrado. Foi por isso que descobriu rápido um câncer que lhe apareceu na garganta. Havia lido, em Seleções, um artigo sobre como seria importante o tratamento imediato do tumor. O dele foi nas cordas vocais. Foi retirado por médico de Belo Horizonte, Dr.Ildeu Rocha, segundo informações de mais velhos, que era referência internacional. Papai ficou rouco para o resto da vida. Para chamar os filhos assobiava. Pelo assobio sabia-se se estava com pressa, calmo ou muito bravo. Morreu de infarto muitos anos depois.

Da época da cirurgia teve umas histórias bonitinhas: papai viera sozinho e escondido para Belo Horizonte. O médico que ele consultou conhecia tio Totônio, que foi avisado e que, o mais rápido possível, veio para a Capital trazendo mamãe. Tio Salatiel veio de Ouro Preto para visitá-lo, ele já tinha sido operado. O irmão queria passar a noite com ele no hospital, mas não era permitido. Conta-se que Tio Salatiel se escondeu debaixo da cama até que as enfermeiras se retirassem e ficou com o mano doente até de manhã!
Papai era um líder nato. Seu escritório, em Tapiraí, vivia movimentado e era cenário de aconselhamento de todo o tipo: matrimonial, sobre negócios, política, desavenças, e muito mais! Nas eleições, nenhum de seus “compadres” votava sem pedir sua opinião.
Nessas ocasiões, nossa casa, em Tapiraí, era um verdadeiro quartel general. Mamãe cozinhava o dia inteiro e até chegou a tomar arma de brigões que passavam por ali.
Papai era sempre mesário. Com essa veia política, que contaminou muitos de seus filhos, angariou amigos, mas também inimigos.

Quando papai teve o câncer, vendeu tudo o que tinha, inclusive a fazenda da Catinga. Foi então que comprou uma casa com pequeno terreno em Tapiraí. Ali tinha espaço pra pomar, criações e até umas vaquinhas.

Em 1953 liderou um movimento que elevou Tapirai à condição de cidade. Depois de concretizar a promoção em Belo Horizonte, autoridades políticas comemoraram com um almoço em sua casa.

Almoço na casa de Euryalo Torres em Tapiraí, em 1953, com autoridades políticas, comemorando a emancipação do Distrito. Estão na foto da esquerda para a direita: Tonico Paulinelli, (?), Nicolino Rocha, Maurício Andrade, Wander Andrade, Odilon F. de Araújo (da 1ª Câmara de vereadores e sogro do Der), Euryalo Torres, (?)


Neste mesmo ano, depois de morar  dez anos  em Tapiraí vende a propriedade e se muda para uma fazendinha, próxima do Rincão, hoje Altolândia, distrito de Tapiraí, onde tentou ajuntar a família, que era grande. Ele teve cerca de 15 filhos com mamãe e com Januária, mas teve também outros que não conseguimos acompanhar, nem mesmo conhecer.


Da fazenda, os filhos homens foram saindo para cuidar da vida. Papai tentou mandar as filhas para estudar no colégio em Ibiá, mas, a cada vez de pagar o colégio, tinha que vender uma vaca. Não tinha tantas vacas que dessem para estudar cinco filhas. Não teve dúvidas: vendeu tudo, arrancou-se da terra, que era o seu mundo, e veio para Belo Horizonte para recomeçar a vida. 

Com a ajuda dos filhos, Ilo, Vaz, Der e Euríalo, comprou um Bar na Rua Pe. Eustáquio, mas foi um fracasso! Vender bebida, servir mesa, era demais para aquele roceiro!

Mais uma vez tentou recomeçar: comprou um lote em Contagem, construiu, ele mesmo, uma casinha, dormindo debaixo de uma mesa, fazendo, do modo mais precário possível, sua comida, tomando chuva, até levantar um teto onde pudesse abrigar a família.

Usava água de cisterna e a luz demorou quatro anos pra chegar.

Tentou fazer ali uma mini fazenda: comprou uma charrete com cavalo, uma vaca, uma porca que teve onze leitões, criou galinha, plantou horta. Mas a poluição da fábrica de cimento Itaú e de outras indústrias que não deixavam as hortaliças progredirem, o pequeno espaço de que dispunha (360m2), os ladrões de galinha, o fizeram cair na real e começou a desistir. Ser obrigado a parar mexeu muito com seu coração. Então veio o infarto fulminante que o levou de nós com apenas 65 anos. Morreu da mesma maneira que seu pai Antero e com a mesma idade.

Deixou-nos como herança a garra na luta pela vida, a teimosia, a maneira alegre de se comunicar, o jeito carinhoso de tratar a todos e o espírito de união.

Por tudo que fez, papai, seus filhos agradecem! E lhe pedem a bênção!!

O jovem casal no final dos anos 1920

Lico e Anna com os filhos Og, Tel e provavelmente Nor, nos anos 1920

Cantinho da Memória 2: Homens que fizeram a história de Bambuí - Dr. Antônio Torres Sobrinho


Lucy Costa e Fernandes Pinto


Retrato de formatura de Antônio Torres Sobrinho, em 1927



Um homem, seus sonhos e realizações. Mãos que ajudaram a nascer tantas esperanças e descobriram tantos males na vida, curando-os. Médico e Doutor em Medicina, pela Universidade Federal do Rio de janeiro, foi um homem além de seu tempo.

Meu pai.

Imagine-se em 1927, alguém preocupado em encontrar um modo científico de provar o sexo do feto? Pois sua tese de doutorado, apresentada a 25 de fevereiro de 1927, defendida a 21 de março do mesmo ano, teve como tema:  “O soro sanguíneo do feto a termo não dá anticorpos específicos do sexo.” Foi aprovada com distinção.


Soube deixar que se fossem os tempos mais difíceis e escuros e se preocupou em viver os seus ideais.


O jovem casal Totônio e Juracy no Pque. Municipal em BH, no final dos anos 1920

Numa época em que a medicina contava com poucos recursos, conseguiu curar doenças então incuráveis, quase sempre letais.


Houve no decorrer de sua vida centenas de casos dificílimos para a época, que, com a graça de Deus, foram curados. Quando sua turma de medicina se reuniu no Rio para comemorar os dez anos da formatura se conheceu a notícia do aparecimento da SULFA, que segundo ele, foi um verdadeiro milagre para o exercício da profissão, um avanço inestimável.



Totônio e Juracy com a filha Lucy, nos anos 1960

Meu pai foi uma pessoa que acompanhou os progressos todos, aceitando-os com prazer. Mas dizia que as mãos do médico eram sagradas para os exames e diagnóstico. As máquinas e exames científicos seriam de ajuda imprescindível, mas o exame pessoal, o toque do médico, as mãos, jamais poderiam ser substituídas. “Mãos sagradas, mãos que lírios invejam” segundo um grande poeta.

Comissão fundadora da Santa Casa de Misericórdia de Bambuí, hoje Hospital Nossa Sra. Do Brasil: Dr. Antônio Torres Sobrinho, funcionária, Pe. João Veloso, um grupo de irmãs de caridade, Dr. Antônio Torres, funcionário, Dr. Juquita Lasmar

Junto ao seu tio, o médico Dr. Antônio Torres; ao seu amigo, também médico, José Elias Lasmar; a vários membros da sociedade bambuiense, como seus irmãos, o fazendeiro Euryalo Torres, os advogados Niso e Mozart Torres, os cirurgiões dentistas Hermógenes Torres e Symphronio Torres Sobrinho; o Sr. Plínio Malfitano, o Sr. José Guimarães Machado, o Sr. Messias Pedro de Carvalho, o Revmo. Pe. João Veloso, e inúmeros outros ilustres filhos de Bambuí, cujos nomes todos seria para mim impossível enumerar, fundou a Irmandade de Sant’Ana que, entre amigos e familiares, com carnês mensais, reuniram dinheiro para a construção da Santa Casa de Misericórdia de Bambuí, depois, Hospital N.S. do Brasil. Ninguém esperava lucros ou louros, apenas sabiam que uma tarefa bem desempenhada é sua própria recompensa. 

Prova da união familiar nas ações de promoção de serviços públicos no município
Meu pai era alguém que nos fazia olhar a vida de outra maneira. Alguém que nos abria as janelas da alma para que a luz da esperança sempre pudesse penetrá-la.
Foi imensamente preocupado com a melhoria de nossa terra, com uma melhor qualidade de vida. Pensando assim comprou mudas de árvores e com a aquiescência do prefeito Sr. Wander de Andrade iniciou a arborização da cidade de Bambuí, à Rua Antero Torres, no dia 02 de agosto de 1953, com a primeira árvore sendo plantada pelo Sr. Prefeito, em frente à casa de Antero Torres, cujo aniversário se comemora neste dia.
Plantio da 1ª árvore do programa de arborização da cidade, no início dos anos 1950: família e amigos marcam presença

Sabendo que a educação e instrução fazem parte integrante e indispensável de qualquer sociedade e tendo conseguido fazer os preparatórios (1º e 2º graus, hoje) com grande dificuldade financeira e muito trabalho, em Lavras e Ouro Preto, longe dos seus, sonhava em que os jovens de sua terra pudessem estudar, se preparar melhor para a vida, estar um pouco mais junto às famílias, sem, contudo se estagnarem no tempo.

Assim, idealizou e incorporou a Ginásio de Bambuí S.A. entidade fundadora do Ginásio Antero Torres, cujo nome, indicado pelo Sr. José Arimatéia Mourão, foi aprovado pelos demais, em homenagem ao pai do fundador. Todos conhecem a importância desta escola para nossa terra e região.

 
Totônio, idealizador do Ginásio Antero Torres, discursa em banquete de aniversário da fundação do ginásio, nos anos 1960
Construiu amigos, enfrentou derrotas, venceu obstáculos, realizou sonhos, bateu à porta da vida e lhe disse não ter medo de vivê-la. Foi um líder, reconhecia sua pequenez, extraía força de sua humildade e experiência de sua fragilidade, não procurou ouro na sociedade, mas, na sua sabedoria garimpou ouro no solo de seu próprio ser. Tinha uma luz interior que o fazia caminhar sem medo de viver...

Ensinava que é preciso dialogar com as pessoas ao seu redor, surpreendê-las, descobrir-lhes a vida. Que se faça agradáveis mesas redondas consigo mesmo, revise suas rotas, refaça seus caminhos, gerencie seus pensamentos, administre sua emoção. Que seja um amigo da arte da dúvida e um amante da arte da crítica. 

Sempre à frente do amanhã, reunido aos Srs. José Bruno da Cunha e José Augusto Chaves; ao odontólogo Gabriel José de Campos; aos médicos Rui Chaves e João Moreira Magalhães; aos cidadãos Juquinha Bahia, José Henriques Cardoso, Francisco Cardoso da Costa e ao Revmo. Monsenhor José Aparecida Pereira, fez parte da diretoria fundadora da Companhia Telefônica de Bambuí, cuja sede foi edificada à Rua Capitão Joaquim Eliziário A. de Magalhães, esquina com a Rua Olívio Alves Ribeiro. A inauguração se fez no dia 01 de fevereiro de 1959. Muitas pessoas de Bambuí trabalharam e se empenharam enormemente para que este progresso se concretizasse. O primeiro telefone foi o de número 300, atribuído a própria companhia telefônica, e o de número 301 foi para meu pai.

E Bambuí, a cidadezinha que dormia, a cidadezinha do poço do Jacaré, do Vitalino Tadeu, da Joaninha, do Pedro Mutuca, cheia de árvores que a rodeavam, enfeitavam e, sempre pareceram envoltas em mistérios para os mais jovens, recebia o progresso pelas linhas do telefone, pelo trabalho e desvelo de tantos filhos seus.

Preservar a memória da sua terra sempre o preocupou. Foi assim que em 1943, promoveu a reforma da Igrejinha Nossa Senhora da Conceição e os documentos relativos foram colocados num portal da mesma. Fez isso em memória de Antero e Alcida Torres.

Para ele, mesmo os menores e mais insignificantes gestos assumiam um valor único, uma rara preciosidade que jamais retomaria. 

Sempre se interessando pelos males da humanidade procurava os mais atualizados e sábios e foi assim, que descobriu aqui em Bambuí o primeiro caso da doença de Chagas, em Maria Albina, criança, filha de “Sá Idala”, ainda hoje vivendo bem em Belo-Horizonte, casada e com filhos. Ele tinha a organização de um cientista e tudo foi devidamente documentado com fotos. Aliás, ele enumerou, depois, os muitos outros pacientes e sempre havia as fotos documentais. Atualmente foram doadas ao posto de estudos avançados Dr. Emanuel Dias, juntamente com a comenda Carlos Chagas, recebida como reconhecimento de seu trabalho.

Recebeu também a medalha da Inconfidência, honra concedida pelo Estado de Minas Gerais, entregue em Ouro Preto para os que se destacam enormemente em determinada área de seu Estado, e ainda para alguns, que não sendo mineiros, recebem esta honra do governo do Estado. 

Ele, com paciência, afeto e sabedoria ajudou muitas pessoas a descobrir dimensões mais profundas e a escolher caminhos com maior liberdade, a ter sorrisos enriquecidos por lembranças partilhadas. 
Hoje, eu sei cheirar o desdobrar da manhã, trazendo consigo os perfumes do dia e me preparo para receber as alegrias e tristezas do caminhar.

O pesar da ausência das pessoas que amamos pode se apagar aos poucos de nossa memória. Acho que é o modo com que a natureza nos faz sofrer menos, a cada dia. Mas o que importa de fato é saber o quanto os amávamos e quanto eles nos amaram também. Isso nunca vai desaparecer com o tempo, porque o coração jamais esquece. Quando alguém tão grandioso viveu, este alguém sempre viverá!

Pai: estreito a palavra no coração com receio de pronunciá-la e perder o sentido profundo e amoroso do termo. Sempre estarão presentes as horas que passei à sombra de seus gestos, bebendo de sua sabedoria, do perfume dos sorrisos e as mais carinhosas e surpreendentes palavras dos véus da alma. Você é eternidade!  

Homenagem de um forasteiro aos méritos de nosso tio Totônio



Placa oferecida ao Dr. Antônio Torres Sobrinho pela FIOCRUZ 

Cantinho da memória 3: Os Sapatos da tia Iracema


Maria Lúcia Torres

Uma caçada em Bambuí, no final dos anos 1950. Da esquerda para a direita: Sr. Joaquim, pai da tia Juracy; Giuseppe, sobrinho italiano do tio Rômulo; (?); tia Iracema; tia Juracy; o chevrolet/1935 do tio Totônio que é também o fotógrafo.

Sapatos pretos, fechados: os passos firmes, elegantes, seguindo pelo alpendre, as duas salas, a copa, o quarto da mamãe. Uma mulher alta, roupas claras. Feia, cabelos curtos, muito anelados – o pixaim da Tiaracema. Inesquecível o ruído daqueles sapatos ecoando pelo piso vermelho do corredor que dava acesso a salas de aula no Colégio Antero Torres. Intransigente, ensinava as matemáticas; intimidava, mas eram engraçados os apelos que lançava, quando havia aulas vagas: “Vamos aproveitar, vamos aproveitar!” Mais matemática.

Expansiva, enunciava abertamente o que pensava. Muito amada e temida, era importante e muito brava. Indispensável, às vezes faltava às visitas quase diárias que fazia a nossa casa; acontecera o quê? O tio Rômulo não faltava. Misterioso, incansável portador dos ruídos da cidade, públicos ou reservados, trazia quase sempre as novidades culinárias que preparava – extravagantes e repulsivas ao paladar das crianças. O melhor colo do mundo; muito alto, só não dava medo porque era amplo, forte e aconchegante. O estilo permanente dos seus trajes: calças folgadas de brim caqui presas aos suspensórios, camisas claras com as mangas arregaçadas, nunca usava agasalhos; só guarda chuva e galochas de borracha. Acho que não tinha a disposição de Racema para as viagens. Instalado em sua assombrosa oficina de sapateiro, acolhia com alegria os sobrinhos atentos e maravilhados diante de tantos objetos e expedientes de trabalho pouco usuais.

Não tiveram filhos, mas tratavam os sobrinhos como se o fossem.

Eles eram diferentes, admiráveis; sua casa impecável, cada ambiente guardava um cheiro distinto: o cheiro gostoso da cozinha e da dispensa, repleta de queijos curados, temperos, doces e compotas; a louça empilhada no armário; o quintal – imenso paraíso que produzia frutas e bichos e acabava num belvedere para o poço do jacaré, tudo ferozmente guardado pela Chiquinha Benta que acabava enriquecendo o esforço da conquista.  Voltávamos para dentro da casa tímidos e bem comportados; e encontrávamos o perfume do lavabo com seu sabão da Kanitz de bola cor de rosa pendurado por uma correntinha, a copa ornamentada de azulejos estampados de frutas e legumes em cores vistosas, que despertava prontamente a cobiça por um prato de compota de cajuzinho silvestre ou carambola; a sala impecável, o escritório nem por isso, o quarto perfumado.

A Tiaracema, muito elegante e sóbria no exercício de suas funções pedagógicas, chegava a ficar bonita quando preparada para as festas e as suas costumeiras viagens.

Nessas ocasiões como seriam os seus sapatos? Mas ela os calçava pretos para as jornadas campestres, os festejados piqueniques da família – gostava de cantar e era desafinada – as campanhas políticas nas periferias da cidade. Pessedista inflamada, persistente em seus argumentos e sempre muito bem informada sobre a conjuntura política nacional era uma liderança nata; naquele tempo, porém, não havia espaço político para as mulheres. Seguramente conservadora, era, como de hábito na família, muito devota; mas pouco me lembro disso, só da insígnia de uma congregação religiosa que periodicamente usava. Contudo ficou de lembrança para nós, maninha e eu, um precioso in-fólio de pequenas dimensões – Livro de Missa – presente de quinze anos que seu pai lhe ofertara, em 1915, com delicada dedicatória; aos dezoito anos – tempos do colégio – ela anotou na última página do livrinho um roteiro de suas obrigações religiosas, hoje quase apagado. 

Iracema e Rômulo em sua viagem a Itália
O que aconteceu com a nossa Tiaracema? Nós crescemos, mas ela não envelheceu.
Fez com o tio Rômulo uma viagem à Itália e outros lugares da Europa. Voltaram com o Giuseppe, o sobrinho italiano; foi uma catástrofe.

Passado algum tempo fomos estudar em Belo-Horizonte e um dia a Titia chegou ao apartamento; estava doente, pedia que a acompanhássemos. Aonde? Depois ela voltou, mas para o hospital. Eu estudava, lecionava e não perdia as passeatas, mas todo dia, alguma hora do dia ou da noite ia para o hospital, ia ver minha Tiaracema. Ela faleceu no dia 20 de agosto de 1968 e veio para Bambuí.
O Tio Rômulo sozinho, envelhecido, a vitalidade em declínio faleceu a 25 de agosto de 1975.


Algumas datas decisivas:
Iracema, diretora do G.E. José Alzamora, saúda o governador de Minas Benedito Valadares, em visita ao estabelecimento de ensino, quando de sua visita a Bambuí, em 1944. Estão na foto: Benedito Valadares, Euryalo Torres, Simphrônio Torres, Juquita Lasmar, Iracema Torres
1900/Bambuí: Nasce Iracema Augusta Torres, no dia 23 de julho. Provavelmente, em 1916/17, passou a freqüentar em Mariana o Colégio Providência,[1] mantido desde 1849 por freiras vicentinas da congregação francesa Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo voltado para a formação de educadoras e futuras agentes sociais. Concluída a sua formação docente, retornou a Bambuí, assumiu o cargo de professora no Grupo Escolar José Alzamora e nessa instituição de ensino realizou sua carreira. Contudo uma carreira permeada por significativas interferências da política clientelista em vigor: as reviravoltas políticas ocorridas no âmbito do poder de Estado que afetaram sua família, refletiram-se diretamente no curso de seu enquadramento profissional que, a rigor, não transcorria na esfera das carreiras políticas. No alvorecer dos anos 1930 viram-se ela e o pai - ele cercado da esposa e filhos menores - privados do exercício da profissão em sua cidade natal. Para assegurar a continuidade dos respectivos trabalhos, ambos, atingidos pela maldição do exílio político seguiram, ele para Pimhui, ela para Santo Antônio do Monte. Em 1932, mudanças políticas no governo de Minas alçaram ao poder Olegário Maciel, companheiro de seu pai desde os tempos de formação escolar no Caraça; e Tiaracema retornou ao exercício do magistério em Bambuí. 


No final dos anos 1930 ou princípio dos anos 1940 assumiu a direção do G.E. José Alzamora, cargo que ocupou até 1947, quando Milton Campos, eleito governador do Estado e adversário da facção política apoiada pela família de Tiaracema, destituiu-a do cargo colocado à disposição de uma correligionária da facção política do Governador; a nova Diretora formada em Administração Escolar dispunha de formação adequada para o exercício da função. Iracema matriculou-se então no curso de Administração Escolar do Instituto de Educação de Minas Gerais e, concluída sua formação acadêmica, foi nomeada para a direção de um estabelecimento de ensino em Ibiá; em 1951, com a posse de Jucelino Kubitisheck para o governo de Minas, retomou o cargo de Diretora do G.E. José Alzamora, aposentando-se em seguida.

Millenovecento/Itália: Crise social e econômica que atinge, sobretudo, os camponeses; 78% de analfabetos; pobreza. A grande imigração italiana para as Américas.

Nasce em Mosciano, comune di Lucca, Itália, a 6 de setembro de 1895, Rômulo Paolinelli. Imigrou para o Brasil em millenovecentodotici, em companhia do padrino, Ludovico Paolinelli, sapateiro, dotado de bens pecuniários.[2]

Iracema Torres e Rômulo Paolinelli casaram-se a 30 de julho de 1930.

A mesa festiva em casa de Antero Torres

A noiva recebe a benção do pai
Os noivos

A noiva confraterniza com os irmãos Lico, Pepita e Fão





[1] Lage, Ana Cristina Pereira: Pedagogia Vicentina: as primeiras escolas confessionais femininas em Minas Gerais na segunda metade do século XIX; Mariana e Diamantina. anaplage@uol.com.br www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe 5/pdf/713.pdf

[2] Pasta Iracema Torres Paolinelli e Pasta Rômulo Paolinelli: Arquivo privado, Dalmo Torres/ Gustavo de Castro Torres




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