domingo, 3 de março de 2013

Cantinho da Memória 2: Homens que fizeram a história de Bambuí - Dr. Antônio Torres Sobrinho


Lucy Costa e Fernandes Pinto


Retrato de formatura de Antônio Torres Sobrinho, em 1927



Um homem, seus sonhos e realizações. Mãos que ajudaram a nascer tantas esperanças e descobriram tantos males na vida, curando-os. Médico e Doutor em Medicina, pela Universidade Federal do Rio de janeiro, foi um homem além de seu tempo.

Meu pai.

Imagine-se em 1927, alguém preocupado em encontrar um modo científico de provar o sexo do feto? Pois sua tese de doutorado, apresentada a 25 de fevereiro de 1927, defendida a 21 de março do mesmo ano, teve como tema:  “O soro sanguíneo do feto a termo não dá anticorpos específicos do sexo.” Foi aprovada com distinção.


Soube deixar que se fossem os tempos mais difíceis e escuros e se preocupou em viver os seus ideais.


O jovem casal Totônio e Juracy no Pque. Municipal em BH, no final dos anos 1920

Numa época em que a medicina contava com poucos recursos, conseguiu curar doenças então incuráveis, quase sempre letais.


Houve no decorrer de sua vida centenas de casos dificílimos para a época, que, com a graça de Deus, foram curados. Quando sua turma de medicina se reuniu no Rio para comemorar os dez anos da formatura se conheceu a notícia do aparecimento da SULFA, que segundo ele, foi um verdadeiro milagre para o exercício da profissão, um avanço inestimável.



Totônio e Juracy com a filha Lucy, nos anos 1960

Meu pai foi uma pessoa que acompanhou os progressos todos, aceitando-os com prazer. Mas dizia que as mãos do médico eram sagradas para os exames e diagnóstico. As máquinas e exames científicos seriam de ajuda imprescindível, mas o exame pessoal, o toque do médico, as mãos, jamais poderiam ser substituídas. “Mãos sagradas, mãos que lírios invejam” segundo um grande poeta.

Comissão fundadora da Santa Casa de Misericórdia de Bambuí, hoje Hospital Nossa Sra. Do Brasil: Dr. Antônio Torres Sobrinho, funcionária, Pe. João Veloso, um grupo de irmãs de caridade, Dr. Antônio Torres, funcionário, Dr. Juquita Lasmar

Junto ao seu tio, o médico Dr. Antônio Torres; ao seu amigo, também médico, José Elias Lasmar; a vários membros da sociedade bambuiense, como seus irmãos, o fazendeiro Euryalo Torres, os advogados Niso e Mozart Torres, os cirurgiões dentistas Hermógenes Torres e Symphronio Torres Sobrinho; o Sr. Plínio Malfitano, o Sr. José Guimarães Machado, o Sr. Messias Pedro de Carvalho, o Revmo. Pe. João Veloso, e inúmeros outros ilustres filhos de Bambuí, cujos nomes todos seria para mim impossível enumerar, fundou a Irmandade de Sant’Ana que, entre amigos e familiares, com carnês mensais, reuniram dinheiro para a construção da Santa Casa de Misericórdia de Bambuí, depois, Hospital N.S. do Brasil. Ninguém esperava lucros ou louros, apenas sabiam que uma tarefa bem desempenhada é sua própria recompensa. 

Prova da união familiar nas ações de promoção de serviços públicos no município
Meu pai era alguém que nos fazia olhar a vida de outra maneira. Alguém que nos abria as janelas da alma para que a luz da esperança sempre pudesse penetrá-la.
Foi imensamente preocupado com a melhoria de nossa terra, com uma melhor qualidade de vida. Pensando assim comprou mudas de árvores e com a aquiescência do prefeito Sr. Wander de Andrade iniciou a arborização da cidade de Bambuí, à Rua Antero Torres, no dia 02 de agosto de 1953, com a primeira árvore sendo plantada pelo Sr. Prefeito, em frente à casa de Antero Torres, cujo aniversário se comemora neste dia.
Plantio da 1ª árvore do programa de arborização da cidade, no início dos anos 1950: família e amigos marcam presença

Sabendo que a educação e instrução fazem parte integrante e indispensável de qualquer sociedade e tendo conseguido fazer os preparatórios (1º e 2º graus, hoje) com grande dificuldade financeira e muito trabalho, em Lavras e Ouro Preto, longe dos seus, sonhava em que os jovens de sua terra pudessem estudar, se preparar melhor para a vida, estar um pouco mais junto às famílias, sem, contudo se estagnarem no tempo.

Assim, idealizou e incorporou a Ginásio de Bambuí S.A. entidade fundadora do Ginásio Antero Torres, cujo nome, indicado pelo Sr. José Arimatéia Mourão, foi aprovado pelos demais, em homenagem ao pai do fundador. Todos conhecem a importância desta escola para nossa terra e região.

 
Totônio, idealizador do Ginásio Antero Torres, discursa em banquete de aniversário da fundação do ginásio, nos anos 1960
Construiu amigos, enfrentou derrotas, venceu obstáculos, realizou sonhos, bateu à porta da vida e lhe disse não ter medo de vivê-la. Foi um líder, reconhecia sua pequenez, extraía força de sua humildade e experiência de sua fragilidade, não procurou ouro na sociedade, mas, na sua sabedoria garimpou ouro no solo de seu próprio ser. Tinha uma luz interior que o fazia caminhar sem medo de viver...

Ensinava que é preciso dialogar com as pessoas ao seu redor, surpreendê-las, descobrir-lhes a vida. Que se faça agradáveis mesas redondas consigo mesmo, revise suas rotas, refaça seus caminhos, gerencie seus pensamentos, administre sua emoção. Que seja um amigo da arte da dúvida e um amante da arte da crítica. 

Sempre à frente do amanhã, reunido aos Srs. José Bruno da Cunha e José Augusto Chaves; ao odontólogo Gabriel José de Campos; aos médicos Rui Chaves e João Moreira Magalhães; aos cidadãos Juquinha Bahia, José Henriques Cardoso, Francisco Cardoso da Costa e ao Revmo. Monsenhor José Aparecida Pereira, fez parte da diretoria fundadora da Companhia Telefônica de Bambuí, cuja sede foi edificada à Rua Capitão Joaquim Eliziário A. de Magalhães, esquina com a Rua Olívio Alves Ribeiro. A inauguração se fez no dia 01 de fevereiro de 1959. Muitas pessoas de Bambuí trabalharam e se empenharam enormemente para que este progresso se concretizasse. O primeiro telefone foi o de número 300, atribuído a própria companhia telefônica, e o de número 301 foi para meu pai.

E Bambuí, a cidadezinha que dormia, a cidadezinha do poço do Jacaré, do Vitalino Tadeu, da Joaninha, do Pedro Mutuca, cheia de árvores que a rodeavam, enfeitavam e, sempre pareceram envoltas em mistérios para os mais jovens, recebia o progresso pelas linhas do telefone, pelo trabalho e desvelo de tantos filhos seus.

Preservar a memória da sua terra sempre o preocupou. Foi assim que em 1943, promoveu a reforma da Igrejinha Nossa Senhora da Conceição e os documentos relativos foram colocados num portal da mesma. Fez isso em memória de Antero e Alcida Torres.

Para ele, mesmo os menores e mais insignificantes gestos assumiam um valor único, uma rara preciosidade que jamais retomaria. 

Sempre se interessando pelos males da humanidade procurava os mais atualizados e sábios e foi assim, que descobriu aqui em Bambuí o primeiro caso da doença de Chagas, em Maria Albina, criança, filha de “Sá Idala”, ainda hoje vivendo bem em Belo-Horizonte, casada e com filhos. Ele tinha a organização de um cientista e tudo foi devidamente documentado com fotos. Aliás, ele enumerou, depois, os muitos outros pacientes e sempre havia as fotos documentais. Atualmente foram doadas ao posto de estudos avançados Dr. Emanuel Dias, juntamente com a comenda Carlos Chagas, recebida como reconhecimento de seu trabalho.

Recebeu também a medalha da Inconfidência, honra concedida pelo Estado de Minas Gerais, entregue em Ouro Preto para os que se destacam enormemente em determinada área de seu Estado, e ainda para alguns, que não sendo mineiros, recebem esta honra do governo do Estado. 

Ele, com paciência, afeto e sabedoria ajudou muitas pessoas a descobrir dimensões mais profundas e a escolher caminhos com maior liberdade, a ter sorrisos enriquecidos por lembranças partilhadas. 
Hoje, eu sei cheirar o desdobrar da manhã, trazendo consigo os perfumes do dia e me preparo para receber as alegrias e tristezas do caminhar.

O pesar da ausência das pessoas que amamos pode se apagar aos poucos de nossa memória. Acho que é o modo com que a natureza nos faz sofrer menos, a cada dia. Mas o que importa de fato é saber o quanto os amávamos e quanto eles nos amaram também. Isso nunca vai desaparecer com o tempo, porque o coração jamais esquece. Quando alguém tão grandioso viveu, este alguém sempre viverá!

Pai: estreito a palavra no coração com receio de pronunciá-la e perder o sentido profundo e amoroso do termo. Sempre estarão presentes as horas que passei à sombra de seus gestos, bebendo de sua sabedoria, do perfume dos sorrisos e as mais carinhosas e surpreendentes palavras dos véus da alma. Você é eternidade!  

Homenagem de um forasteiro aos méritos de nosso tio Totônio



Placa oferecida ao Dr. Antônio Torres Sobrinho pela FIOCRUZ 

Nenhum comentário:

Postar um comentário