Lucy Costa e Fernandes Pinto
Retrato de formatura de Antônio Torres Sobrinho, em 1927 |
Um
homem, seus sonhos e realizações. Mãos que ajudaram a nascer tantas esperanças
e descobriram tantos males na vida, curando-os. Médico e Doutor em Medicina,
pela Universidade Federal do Rio de janeiro, foi um homem além de seu tempo.
Meu pai.
Imagine-se em 1927, alguém preocupado em encontrar um modo científico de provar o sexo do feto? Pois sua tese de doutorado, apresentada a 25 de fevereiro de 1927, defendida a 21 de março do mesmo ano, teve como tema: “O soro sanguíneo do feto a termo não dá anticorpos específicos do sexo.” Foi aprovada com distinção.
Soube deixar que se fossem os tempos mais difíceis e escuros e se preocupou em viver os seus ideais.
O jovem casal Totônio e Juracy no Pque. Municipal em BH, no final dos anos 1920 |
Numa época em que a medicina contava com poucos recursos, conseguiu curar doenças então incuráveis, quase sempre letais.
Houve no decorrer de sua vida centenas de casos dificílimos para a época, que, com a graça de Deus, foram curados. Quando sua turma de medicina se reuniu no Rio para comemorar os dez anos da formatura se conheceu a notícia do aparecimento da SULFA, que segundo ele, foi um verdadeiro milagre para o exercício da profissão, um avanço inestimável.
Totônio e Juracy com a filha Lucy, nos anos 1960 |
Meu pai foi uma pessoa que acompanhou os progressos todos, aceitando-os com prazer. Mas dizia que as mãos do médico eram sagradas para os exames e diagnóstico. As máquinas e exames científicos seriam de ajuda imprescindível, mas o exame pessoal, o toque do médico, as mãos, jamais poderiam ser substituídas. “Mãos sagradas, mãos que lírios invejam” segundo um grande poeta.
Junto ao seu tio, o médico Dr. Antônio Torres; ao seu amigo, também médico, José Elias Lasmar; a vários membros da sociedade bambuiense, como seus irmãos, o fazendeiro Euryalo Torres, os advogados Niso e Mozart Torres, os cirurgiões dentistas Hermógenes Torres e Symphronio Torres Sobrinho; o Sr. Plínio Malfitano, o Sr. José Guimarães Machado, o Sr. Messias Pedro de Carvalho, o Revmo. Pe. João Veloso, e inúmeros outros ilustres filhos de Bambuí, cujos nomes todos seria para mim impossível enumerar, fundou a Irmandade de Sant’Ana que, entre amigos e familiares, com carnês mensais, reuniram dinheiro para a construção da Santa Casa de Misericórdia de Bambuí, depois, Hospital N.S. do Brasil. Ninguém esperava lucros ou louros, apenas sabiam que uma tarefa bem desempenhada é sua própria recompensa.
Prova da união familiar nas ações de promoção de serviços públicos no município |
Meu
pai era alguém que nos fazia olhar a vida de outra maneira. Alguém que nos
abria as janelas da alma para que a luz da esperança sempre pudesse penetrá-la.
Foi
imensamente preocupado com a melhoria de nossa terra, com uma melhor qualidade
de vida. Pensando assim comprou mudas de árvores e com a aquiescência do
prefeito Sr. Wander de Andrade iniciou a arborização da cidade de Bambuí, à Rua
Antero Torres, no dia 02 de agosto de
1953, com a primeira árvore sendo plantada pelo Sr. Prefeito, em frente à casa
de Antero Torres, cujo aniversário se comemora neste dia.
Plantio da 1ª árvore do programa de arborização da cidade, no início dos anos 1950: família e amigos marcam presença |
Sabendo que a educação e instrução fazem parte integrante e indispensável de qualquer sociedade e tendo conseguido fazer os preparatórios (1º e 2º graus, hoje) com grande dificuldade financeira e muito trabalho, em Lavras e Ouro Preto, longe dos seus, sonhava em que os jovens de sua terra pudessem estudar, se preparar melhor para a vida, estar um pouco mais junto às famílias, sem, contudo se estagnarem no tempo.
Assim, idealizou e incorporou a Ginásio de Bambuí S.A. entidade fundadora do Ginásio Antero Torres, cujo nome, indicado pelo Sr. José Arimatéia Mourão, foi aprovado pelos demais, em homenagem ao pai do fundador. Todos conhecem a importância desta escola para nossa terra e região.
Totônio, idealizador do Ginásio Antero Torres, discursa em banquete de aniversário da fundação do ginásio, nos anos 1960 |
Construiu
amigos, enfrentou derrotas, venceu obstáculos, realizou sonhos, bateu à porta
da vida e lhe disse não ter medo de vivê-la. Foi um líder, reconhecia sua
pequenez, extraía força de sua humildade e experiência de sua fragilidade, não
procurou ouro na sociedade, mas, na sua sabedoria garimpou ouro no solo de seu
próprio ser. Tinha uma luz interior que o fazia caminhar sem medo de viver...
Ensinava que é preciso dialogar com as pessoas ao seu redor, surpreendê-las, descobrir-lhes a vida. Que se faça agradáveis mesas redondas consigo mesmo, revise suas rotas, refaça seus caminhos, gerencie seus pensamentos, administre sua emoção. Que seja um amigo da arte da dúvida e um amante da arte da crítica.
Sempre à frente do amanhã, reunido aos Srs. José Bruno da Cunha e José Augusto Chaves; ao odontólogo Gabriel José de Campos; aos médicos Rui Chaves e João Moreira Magalhães; aos cidadãos Juquinha Bahia, José Henriques Cardoso, Francisco Cardoso da Costa e ao Revmo. Monsenhor José Aparecida Pereira, fez parte da diretoria fundadora da Companhia Telefônica de Bambuí, cuja sede foi edificada à Rua Capitão Joaquim Eliziário A. de Magalhães, esquina com a Rua Olívio Alves Ribeiro. A inauguração se fez no dia 01 de fevereiro de 1959. Muitas pessoas de Bambuí trabalharam e se empenharam enormemente para que este progresso se concretizasse. O primeiro telefone foi o de número 300, atribuído a própria companhia telefônica, e o de número 301 foi para meu pai.
E Bambuí, a cidadezinha que dormia, a cidadezinha do poço do Jacaré, do Vitalino Tadeu, da Joaninha, do Pedro Mutuca, cheia de árvores que a rodeavam, enfeitavam e, sempre pareceram envoltas em mistérios para os mais jovens, recebia o progresso pelas linhas do telefone, pelo trabalho e desvelo de tantos filhos seus.
Preservar a memória da sua terra sempre o preocupou. Foi assim que em 1943, promoveu a reforma da Igrejinha Nossa Senhora da Conceição e os documentos relativos foram colocados num portal da mesma. Fez isso em memória de Antero e Alcida Torres.
Para ele, mesmo os menores e mais insignificantes gestos assumiam um valor único, uma rara preciosidade que jamais retomaria.
Sempre se interessando pelos males da humanidade procurava os mais atualizados e sábios e foi assim, que descobriu aqui em Bambuí o primeiro caso da doença de Chagas, em Maria Albina, criança, filha de “Sá Idala”, ainda hoje vivendo bem em Belo-Horizonte, casada e com filhos. Ele tinha a organização de um cientista e tudo foi devidamente documentado com fotos. Aliás, ele enumerou, depois, os muitos outros pacientes e sempre havia as fotos documentais. Atualmente foram doadas ao posto de estudos avançados Dr. Emanuel Dias, juntamente com a comenda Carlos Chagas, recebida como reconhecimento de seu trabalho.
Recebeu também a medalha da Inconfidência, honra concedida pelo Estado de Minas Gerais, entregue em Ouro Preto para os que se destacam enormemente em determinada área de seu Estado, e ainda para alguns, que não sendo mineiros, recebem esta honra do governo do Estado.
Ele, com paciência, afeto e sabedoria ajudou muitas pessoas a descobrir dimensões mais profundas e a escolher caminhos com maior liberdade, a ter sorrisos enriquecidos por lembranças partilhadas.
Hoje,
eu sei cheirar o desdobrar da manhã, trazendo consigo os perfumes do dia e me
preparo para receber as alegrias e tristezas do caminhar.
O pesar da ausência das pessoas que amamos pode se apagar aos poucos de nossa memória. Acho que é o modo com que a natureza nos faz sofrer menos, a cada dia. Mas o que importa de fato é saber o quanto os amávamos e quanto eles nos amaram também. Isso nunca vai desaparecer com o tempo, porque o coração jamais esquece. Quando alguém tão grandioso viveu, este alguém sempre viverá!
Pai: estreito a palavra no coração com receio de pronunciá-la e perder o sentido profundo e amoroso do termo. Sempre estarão presentes as horas que passei à sombra de seus gestos, bebendo de sua sabedoria, do perfume dos sorrisos e as mais carinhosas e surpreendentes palavras dos véus da alma. Você é eternidade!
Homenagem de um forasteiro aos méritos de nosso tio Totônio |
Placa oferecida ao Dr. Antônio Torres Sobrinho pela FIOCRUZ |
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